quinta-feira, 11 de março de 2010

OS MUNHOS..., são... MOINHOS...







A gatinha do moleiro
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.Os Munhos são Moinhos
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“Quem um fole de milho carrega para o munho, tem que trazer de volta outro de farinha”
.(Ditado popular).
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Muitos de nós quando se fala de moinhos, imaginam um edifício redondo, branco, terminado em bico, com uma grande vela, movendo-se circularmente ao sabor do vento.
Não, não são esses os moinhos da Beira.
Dispersos pelas encostas, erguem-se em redor das aldeias, sempre junto a cursos de água. Os moinhos serranos são construções robustas e austeras, em pedra, e exteriormente muito parecidas com o lagar.
Mais pequenas, mas com a mesma forma grosseira de trapézio, são erigidas utilizando os mesmos materiais: pedra, telha de canudo, e grossas lajes de xisto.
Embora com as mesmas raízes ancestrais do lagar, como ele muito beneficiaram dos aperfeiçoamentos técnicos introduzidos pelos árabes, mas nunca atingiram o mesmo destaque na vida social das povoações.
Sendo ambas as construções muito antigas, que se confundem com a origem das aldeias, tal a sua importância no quotidiano das pessoas, divergem essencialmente nos conhecimentos necessários ao seu funcionamento e na quantidade de vezes que eram utilizados ao longo do ano. E ainda na importância relativa do produto que “fabricavam”.
O azeite é, desde há centenas de anos, um produto importante e necessário tal a forma como está enraizado na dieta alimentar dos serranos, mas ainda assim longe de ser um alimento vital como a farinha.
O centeio, o trigo, a castanha, e mais tarde, o milho eram a base alimentar das populações serranas. O desenvolvimento, dito natural, da nossa sociedade de consumo alterou um pouco estes hábitos. Hoje, comemos produtos derivados do milho, mais como um petisco do que fazendo parte dos nossos costumes alimentares. Mas, se recuarmos no tempo (e não são precisas muitas décadas), apercebemo-nos, facilmente, da importância destes cereais e do resultado da moagem da farinha, no quotidiano dos serranos.
A broa era o alimento que se comia todos os dias e, em tempos de crise, era muitas vezes o único. Os carolos (moagem mais grossa), além de fazerem parte dos pratos tradicionais, eram o único alimento para as crianças de colo. Naquele tempo não havia papas nem iogurtes e, depois de acabar o leite materno, restavam os carolos, que podiam ser misturados com mel ou leite de cabra. Mas isto era um luxo de que só algumas famílias podiam beneficiar. Mesmo nas festas, nos momentos de alegria e de comemoração, a farinha era imprescindível, dela se faz o bolo mais tradicional e apetecido da nossa terra: o pão-de-ló.
Abençoadas as mãos que ainda o sabem “amassar” e cozer na perfeição.
Esta necessidade evidente da farinha fazia com que os moinhos trabalhassem sempre, que tal era preciso. Por esta razão, não podia haver só um moinho e que funcionasse unicamente em determinada época do ano.Enquanto para a construção do lagar foi preciso juntar as famílias mais abastadas, para custear a sua construção, no caso dos moinhos, cada família com posses edificava o seu. Hoje, fruto de partilhas de várias gerações (o que em parte serve para confirmar a antiguidade destas construções), o lagar é comunitário, tal o número de pessoas que lá têm parte, enquanto os moinhos pertencem às várias famílias que os mandaram construir.
Segundo o levantamento que fizemos, existem ou existiram na Póvoa sete moinhos: Vale de Madeiros, Boiça Pereira, Forninhos, Vale-Servos, Coiceiros, e Amieiro, todos plurifamíliares, e o da Horta, talvez por ser o mais recente, pertencente a uma única família, os Serras.
Como dissemos no início, todos os moinhos se localizavam junto a cursos de água, pequenas ribeiras, fruto das inúmeras nascentes que salpicam os montes da Beira-Serra. Esta localização significa que os moinhos necessitam de água para trabalhar.
Ora, como acontece na maioria dos anos, muitas destas ribeiras ficam secas ou com caudal muito reduzido no Verão; nestes casos, era uma situação comum a todos eles, o milho tinha que ser moído na Ribeira de Praçais, no “munho” do Ti-Manel Barrocas, ou então em moinhos de maquia, como o da Mó. A farinha é que não podia faltar.
Moinhos de maquia eram aqueles, em que o moleiro antes de começar a moer o milho, retirava a sua parte, “a maquia”, normalmente uma medida correspondente a uma pequena caixa de madeira, com a forma de alqueire e equivalente a 2 celamins.
A moagem dos cereais, especialmente do milho, era um acto muito vulgar, por isso considerado menor. Envolvendo poucos riscos, bastava pôr a cale que transportava a água na direcção do moinho e acertar “o grau” da moagem. Era uma operação muito demorada e, talvez devido a isso, quase sempre entregue aos mais novos, aos rapazes e raparigas que, no campo, ainda não produziam como os “homens”.
Todos os ciclos importantes à vida quotidiana das populações têm um ponto alto, um dia de culto que os aldeões veneram e cumprem como um ritual, reminiscências óbvias de outros tempos, bem anteriores ao Cristianismo em que se veneram vários ídolos, supostamente com influência positiva nas colheitas e na vida simples das pessoas. O milho, por tão importante, também tinha o seu ritual: “a escapela” e “a debulha”.Estas animadas noites de trabalho colectivo eram ponto de encontro obrigatório a toda juventude da aldeia. Durante estas sessões, cantava-se ao desafio, contavam-se as velhas histórias das mouras encantadas e das almas atormentadas que penavam pelos arredores das aldeias, nas noites de maior escuridão. Quando acabavam cedo, muitas vezes estas cantorias transformavam-se em bailes muito concorridos e animados pelos instrumentos tradicionais, como a concertina, a guitarra ou a harmónica (gaita). Para a “malta” mais nova, era o princípio de uma noite de brincadeira e divertimento, que muitas vezes durava até de madrugada.
Nessas noites, muitos galos “voavam” das capoeiras e até os carros de bois, por vezes mudavam de lugar… No fundo a escapela, a debulha, como outras festas de cunho religioso ou profano, como a matança do porco, a festa anual em honra da Padroeira, a passagem do Entrudo, o Natal e a Páscoa, vinha alegrar e aligeirar o calendário da vida do serrano, tão dura e sacrificada durante o ano.
Os munhos foram edificados junto de pequenas ribeiras. As águas utilizadas para a rega dos lameiros eram, quando necessários, desviadas para o interior do munho. Começava, assim, o processo da moagem do cereal.
Esta operação do desvio da água fazia-se tapando o curso normal do riacho, obrigando este a tomar a direcção da cale (tubo aberto em madeira), para assim cair dentro do moinho, mesmo por cima do rodízio. O rodízio, situado na parte inferior e peça fulcral de todo o engenho, é uma roda de madeira que, com a força da água, roda e ao fazê-lo faz movimentar o fuso, também de madeira, que nele está encaixado. O fuso, no seu movimento giratório, fazia, então, mover as pedras (as mós) fixadas na sua parte superior e estas, por força do movimento imprimido, esmagavam os pequenos grãos que iam caindo muito lentamente da moega. A moega, um aparelho de madeira em forma de funil cortado transversalmente, era onde se colocava o cereal e tinha na sua parte mais próxima das pedras, e adelgaçada, a quelha onde caía o cereal. Estava suspensa da moega e dela saía a taramela que tinha na ponta uma roda de cortiça, a qual, rodando sobre a mó, agitava o cereal, fazendo-o cair.
O moinho fazia-se parar, impedindo a entrada de água para cima do rodízio, colocando no seu caminho outra peça de madeira: o pejadouro ou pejadoiro.
O cereal posto na moega, quase sempre carregado pelos mais novos, era transportado em foles contendo, por norma, entre um a dois alqueires.
Os foles eram sacas em pele de carneiro ou de cabra de grande impermeabilidade e resistência, que eram adquiridos aos “matadores” destes animais, quando atravessavam as aldeias, normalmente nas ocasiões mais festivas.
Não estando directamente associados a qualquer festividade, os munhos, são todavia, parte integrante e essencial da nossa história. A farinha, que produziam, era o néctar açucarado dos melhores petiscos, que alguma vez tivemos o prazer de provar.
A finalizar, deixamos no ar uma pergunta, na esperança de servir de reflexão a muitos dos, que ainda, sabem produzir a verdadeira comida serrana: porquê a broa, os carolos, e nabos de farinha, são cada vez mais raros nas mesas da nossa terra?
Restam felizmente, as filhós e o pão-de-ló.

[In “História da Comissão de Melhoramentos da Póvoa”;
adaptado de : Dr. António Ramos de Almeida]

2 comentários:

Anónimo disse...

Viva os Munhos,os Cavalos, a Selecção e Nós(Será K já somos daqueles K vamos chegar aos 1000?)
Beijo

Joalex Henry disse...

Gosto muito de "munhos", principalmente dos de vento, antigos, que os há por aqui às dezeenas e me fazem recordar o célebre D. Quixote. Acho que embelezam as paisagens serranas!
Abraço.
José Alexandre